Revista CEsA: "Cinema e Descolonização: Moçambique em foco"
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Revista CEsA nº 1 | Investigação: Ciclo “Cinema e Descolonização: Moçambique em foco” conjuga cinema, memórias e narrativas sobre a descolonização e as suas marcas em cineclubes mensais no ISEG

 

A amostra de cinema “Cinema e Descolonização: Moçambique em foco” é o primeiro projeto de cineclube do CEsA, com coordenação da investigadora Jessica Falconi e curadoria dos realizadores Isabel Noronha e Camilo de Sousa

 

Ciclo Cinema e Descolonização
Exibição do filme “O Vento Sopra do Norte” no Ciclo de Cinema e Descolonização: Moçambique em foco. Crédito: Reprodução/CEsA.

Recolher narrativas, impressões, testemunhos e opiniões individuais, coletivas, familiares ou geracionais de pessoas que viveram direta ou indiretamente o processo da descolonização em Moçambique é o motor do Ciclo “Cinema e Descolonização: Moçambique em foco”. Trata-se do primeiro projeto de cineclube do Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CEsA/CSG/ISEG/ULisboa), com projeções que têm lugar uma vez por mês no Auditório 2 do ISEG – Lisbon School of Economics and Management.

O cineclube tem coordenação da investigadora Jessica Falconi (CEsA/CSG/ISEG/ULisboa) e consultoria científica das investigadoras Joana Pereira Leite (CEsA/CSG/ISEG/ULisboa) e Ana Mafalda Leite (CEsA/CSG/ISEG/ULisboa). A curadoria é da responsabilidade da investigadora, realizadora e psicoterapeuta Isabel Noronha, que concebeu a ideia original do projeto, e do cineasta Camilo de Sousa. Os filmes escolhidos para 2023 tratam sobre o legado e as memórias da descolonização em Moçambique e, após a projeção, seguem-se debates com artistas envolvidos na realização das obras e investigadores.

Ciclo Cinema e Descolonização
Da esquerda para a direita: o poeta e jornalista Luís Carlos Patraquim, o cineasta e curador do cineclube Camilo de Sousa, a realizadora e idealizadora do cineclube Isabel Noronha e a investigadora e coordenadora do projeto Jessica Falconi, na sessão inaugural do Ciclo de Cinema e Descolonização: Moçambique em foco, em 5 de novembro de 2022. Crédito: Reprodução/CEsA.

A sessão inaugural decorreu em 5 de novembro de 2022, com a exibição do primeiro filme moçambicano realizado no pós-independência, “O tempo dos leopardos” (Zdravko Velimirovic, 1985, Ficção, 91 min). O debate a seguir teve a participação dos curadores Isabel Noronha e Camilo de Sousa e do roteirista Luís Carlos Patraquim. A moderação foi a cargo da investigadora Iolanda Vasile (CES/UCoimbra) (participação online).

A programação para 2023 foi inaugurada no dia 28 de janeiro, com a projeção do filme “O vento sopra do Norte” (José Cardoso, 1987, Ficção, 101 min) e debate com o curador e cineasta moçambicano Camilo de Sousa e os investigadores do CEsA Joana Pereira Leite e Carlos Nuno Castel-Branco.

A sessão seguinte decorreu a 28 de fevereiro, com a transmissão do filme “Terra Sonâmbula” (Teresa Prata, 2007, Ficção, 96 min) e debate com o escritor Mia Couto (participação online), o cineasta Camilo de Sousa e o poeta e jornalista Luís Carlos Patraquim.

A sessão mais recente decorreu a 25 de março, com a transmissão do filme “A colheita do Diabo” (Licínio Azevedo e Brigitte Bagnol, 1988, Docu-ficção, 52 min, português) e debate com a correalizadora e investigadora Brigitte Bagnol (participação online).

A próxima sessão decorrerá no dia 22 de abril, pelas 10h, no Auditório 2 do ISEG (Entrada pela Rua do Quelhas, nº 6, Piso do Claustro, 1200-781, Lisboa, Portugal), com a projeção dos documentários “A última prostituta” (Licínio Azevedo, 1999, Documental, 48 min, português) e “Sonhos guardados” (Isabel Noronha, 2005, Documental, 29 min, português) e debate com a investigadora Catarina Laranjeiro (IHC/NOVA FCSH) e outros, ainda por confirmar.

Momento crucial
“Este é um tema que aqui em Portugal continua a levantar muitos debates e controvérsias. Estamos num momento crucial na história da sociedade portuguesa que, no seguimento de outros países vê reacenderem-se ideias racistas e de extrema-direita. Este ciclo pode desempenhar um papel importante na mediação de um debate de memórias difíceis, tanto do lado português quanto do lado moçambicano”, reflete Jessica Falconi.

Debate com Joana Pereira Leite (E), Camilo de Sousa, Isabel Noronha e Jessica Falconi após a exibição do filme “O vento sopra do Norte”, no dia 28 de janeiro de 2023. Crédito: Reprodução/CEsA.

A investigadora explica que as sessões são abertas ao público, mas espera uma participação ativa da população que viveu e teve contato com o processo de descolonização, como ex-combatentes portugueses e africanos e toda uma população de algum modo ligada às antigas colónias.

“Houve um conjunto de projetos em Portugal e na Europa que precisamente se focou nas gerações pós-guerra. Temos todo o interesse em ter gente mais jovem a discutir essas questões, mas também não queremos que fiquem silenciadas as gerações que viveram essas situações. Achamos que temos ainda de elaborar os eventos, as memórias traumáticas e não-traumáticas, e que ainda têm os seus lastros na contemporaneidade”, diz Falconi.

Laboratório de narrativas
A expectativa dos organizadores é que o cineclube seja um laboratório de narrativas, a partir da recolha e construção de um arquivo de testemunhos, em que seja possível analisar também as impressões reveladas numa perspetiva psicológica. “Estamos muito focados no processo. O sonho é que se torne uma oficina interativa, não só uma amostra de cinema, onde a gente possa experimentar o que significa narrar a sua própria experiência em relação a essas questões”, explica Falconi.

NEVIS
Outro objetivo do cineclube é elaborar uma filmografia, com fichas técnicas completas, e publicá-la online. Este levantamento iniciou-se no âmbito do projeto NEVIS – Narrativas Escritas e Visuais da Nação Pós-Colonial (CEsA/FCT, PTDC/CPC-ELT/4939/2012), cujo website disponibiliza uma base de dados preliminar sobre filmes nesta temática. O projeto NEVIS, financiado pela FCT e coordenado pela investigadora do CEsA Ana Mafalda Leite, estudou obras cinematográficas em diálogo com a literatura.

Em 2015, para marcar as comemorações dos 40 anos das independências das ex-colônias portuguesas e o encerramento do NEVIS, o projeto promoveu o Colóquio Escritas e Cinema nos Países de Língua Portuguesa. O evento foi um marco ao reunir realizadores e produtores renomados do cinema em língua portuguesa: Ângelo Torres (São Tomé), Flora Gomes (Guiné-Bissau), Fernando Vendrell (Portugal), Zezé Gamboa (Angola), Isabel Noronha e Camilo de Sousa (Moçambique) e Leão Lopes (Cabo Verde).

“Foi muito especial por juntar essas pessoas, pois nunca havia eventos de convívio e troca de experiências. Depois desse encontro em 2015, mantivemos essa ideia de se criar um projeto de cinema no CEsA e afinal chegamos à conclusão de se começar pelo cineclube na tentativa de conjugar a dimensão cinematográfica com a dimensão narrativa”, relembra Falconi.

Regresso a Nacala
O Ciclo “Cinema e Descolonização: Moçambique em foco”, apesar de ser o primeiro cineclube do CEsA, não é a primeira incursão do centro de investigação no audiovisual. Em 2000, a investigadora Joana Pereira Leite e a realizadora Brigitte Martinez produziram o documentário “Regresso a Nacala” (Brigitte Martinez e Joana Pereira Leite, 2001, 75 min), financiado pela Comissão Nacional das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e pelo Arquivo Fotográfico de Lisboa (Câmara Municipal de Lisboa), e apoiado pelo ICA/IP – Instituto do Cinema e do Audiovisual e pela RTP.

A investigadora do CEsA Joana Pereira Leite. Crédito: Reprodução/CEsA.

O filme conta a história do regresso a Nacala, cidade costeira no Norte de Moçambique, de fotografias registadas durante 20 anos, entre as décadas de 1950 e 1970, sobre a vida quotidiana das comunidades de pescadores islamizadas na região dos povos macua. Todas de autoria do ex-colono português José Henriques e Silva. “Ele era um homem muito querido, dos poucos colonos portugueses que teve acesso ao outro mundo e construiu uma ligação forte com as populações locais”, comenta Pereira Leite.

O documentário atende ao pedido do próprio Henriques e Silva de que “se alguém voltar a Nacala, vá à procura dos meus amigos” para restituir as fotografias à população macua, propondo, como diz a sinopse, “uma viagem iluminada por encontros, um balanço da era colonial e pós-colonial recente”. Segundo Pereira Leite, a devolução representou um marco importante para a história “do que foi a colonização portuguesa para além da exploração, com outras dimensões, como o afeto”.

As imagens imprimem os traços da aventura colonial portuguesa e dos 16 anos de guerra civil até à independência de Moçambique. Os registos foram expostos em 1983 em Lisboa, no Ar.co – Centro de Arte e Comunicação Visual, em 1986 em Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), e finalmente em 2000 em Bruxelas, no Museu Charleroi. Também compõem o livro “Pescadores Macua”, a venda nas Lojas BLX – Loja das Bibliotecas de Lisboa.

Credito: José Henriques e Silva.

“No fundo, ele foi um antropólogo e um fotógrafo de talento invulgar. Esses registos fotográficos daquela região são os únicos que eu conheço, com essa qualidade e com essa dimensão fotográfica de uma construção de 20 anos de contato”, conclui Pereira Leite. O documentário está disponível online no canal do CEsA no YouTube em português e francês (clique aqui para assistir).

 

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Ciclo de Cinema e Descolonização: Moçambique em foco | 22 de abril | A última prostituta e Sonhos guardados | Debate com Catarina Laranjeiro

Website do NEVIS – Narrativas Escritas e Visuais da Nação Pós-Colonial (CESA/FCT, PTDC/CPC-ELT/4939/2012)

Colóquio “Escritas & Cinema nos Países de Língua Portuguesa” (28 e 29 de maio de 2015)

Playlist no YouTube: “Regresso a Nacala”

Playlist no YouTube: “Retour à Nacala”

Pescadores Macua, Baía de Nacala, Moçambique, 1957-1973 (p. 154, Mundo Crítico – Revista de Desenvolvimento e Cooperação, nº 8)

Texto publicado na edição nº 1 da Revista CEsA. Autoria: Marianna Rios/Comunicação CEsA. Edição: Sónia Frias/Direção do CEsA e Filipe Batista/CEsA Comunicação. Tradução: Inês Hugon. Design: Felipe Vaz.


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