Arquivo de Globalização e Cooperação para o Desenvolvimento - CEsA

Globalização e Cooperação para o Desenvolvimento

Working Paper 207/2025: The Historical Constraints of Africa South-South Cooperation: 30 years of TICAD through the lenses of South-South-Triangular Cooperation


Resumo

Baseando-se nos conceitos de autossuficiência e auto-ajuda, este artigo contribui para a literatura sobre a cooperação Sul-Sul e Triangular, primeiro para compreender o seu significado conceptual; em segundo, entender as razões históricas pelas quais a cooperação sul-sul não avançou em África; e terceiro, examina o contributo da cooperação triangular ao longo de três décadas da Conferência Internacional de Tóquio sobre o Desenvolvimento Africano (TICAD) para reduzir a marginalização de África e a sua dependência da ajuda. Com recurso a uma abordagem qualitativa e cronológica e a uma análise cruzada de relatórios, documentos e literatura secundária, aproximadamente de 1960 a 2022, concluímos que o papel do TICAD não só contribuiu para mudanças estruturais no desenvolvimento em África através da agenda sul-sul e cooperação triangular, como também redefiniu o paradigma da assistência ao desenvolvimento com base nos princípios do TICAD, tornando-se assim parte da Agenda Global para o Desenvolvimento.

Citação

Amakasu Raposo de Medeiros Carvalho, Pedro Miguel (2025). “The Historical Constraints of Africa South-South Cooperation: 30 years of TICAD through the lenses of South-South-Triangular Cooperation”. CEsA/ISEG Research – Documentos de trabalho nº 207/2025

Working Paper 206/2025: Multiplexing Corporate Power: Navigating corporate autonomy in the EU Global Gateway


Resumo

A iniciativa Global Gateway da EU depende de corporações para alcançar objetivos geoeconómicos, criando dependência estrutural de atores com capacidade autónoma de transformação. Analisando documentos oficiais e três projetos emblemáticos (Corredor do Lobito em Angola, BRT de Dakar no Senegal e Cidade Industrial Marítima de Lumut na Malásia), desenvolvo um quadro conceptual de “multiplexação de força geoeconómica” que explica como as corporações processam inputs públicos através de dimensões geográficas, sectoriais, temporais e de rede. Quatro “perfis de multiplexador” emergem da interação entre alavancagem e dependência de patrono: autónomo (alta alavancagem, baixa dependência), dirigido (alta alavancagem, alta dependência), limitado (baixa alavancagem, alta dependência) e oportunista (baixa alavancagem, baixa dependência). A EU enfrenta tensão inerente: canalizar prioridades através de corporações de alta alavancagem convida menor dirigibilidade, enquanto atores mais dependentes carecem de capacidade transformadora. Delegar implementação a atores corporativos cria bloqueios dependentes de trajetória que podem redirecionar ou minar objetivos originais.

Citação

Pais Bernardo, Luís (2025). “Multiplexing Corporate Power: Navigating corporate autonomy in the EU Global Gateway”. CEsA/ISEG Research – Documentos de trabalho nº 206/2025

Working Paper 205/2025: Obstacles to US Pension Fund Investment in Africa


Resumo

A Corporação Financeira Africana (AFC) não tem conseguido captar capital junto dos fundos de pensões dos Estados Unidos, apesar do seu sucesso na atração de investimento proveniente de uma ampla e diversificada gama de investidores institucionais. Este artigo combina um estudo de caso sobre a AFC, consultas com profissionais e especialistas de nível sénior, e uma revisão da literatura académica e de relatórios do sector, com o objetivo de identificar as razões que explicam a ausência de investimento na AFC e, de forma mais geral, a reduzida proporção de investimentos dos fundos de pensões norte-americanos em entidades africanas.

A investigação indica que os obstáculos institucionais existentes no ecossistema de investimento dos fundos de pensões dos Estados Unidos são, em grande medida, responsáveis pela decisão destes fundos de não investirem na AFC. De forma mais abrangente, os resultados sugerem que rendimentos insuficientes, riscos elevados, características de investimento pouco adequadas, oportunidades de investimento limitadas, custos mais elevados e fraca liquidez estão a dificultar o investimento em África.

Os esforços das organizações de desenvolvimento e dos governos para acelerar o desenvolvimento dos mercados de capitais, melhorar a estabilidade política e macroeconómica e reforçar a sua capacidade de implementar mecanismos de partilha de riscos poderão contribuir para aumentar o investimento dos fundos de pensões norte-americanos em África. Por sua vez, os fundos de pensões dos Estados Unidos poderão beneficiar de uma reavaliação das suas políticas de investimento, considerando uma maior afetação a instrumentos de rendimento fixo no estrangeiro e incentivando as empresas de consultoria de investimento a reforçar a sua capacidade de prestar aconselhamento especializado sobre os mercados africanos.

Citação

Preston, Daniel (2025). “Obstacles to US Pension Fund Investment in Africa”. CEsA/ISEG Research – Documentos de trabalho nº 205/2025

African agency in geopolitical times: playing with EU and Chinese ontological security


Resumo

Em 2021, a União Europeia (UE) lançou a Global Gateway (GG). Esta nova estratégia europeia, no valor de 300 mil milhões de euros, pretende reforçar o envolvimento da UE em áreas como infraestruturas de transporte, energia verde e digitalização nos países em desenvolvimento. Espera-se que o continente africano beneficie de metade do montante previsto. Grande parte do debate nos últimos anos procurou dissecar as dimensões (geo)políticas, financeiras e económicas da GG, a partir da perspetiva de Bruxelas e dos decisores políticos dos Estados-Membros da UE. No entanto, muito pouco tem sido discutido sobre a forma como os decisores africanos percecionam a GG. Este artigo centrar-se-á, assim, na agência africana no contexto da GG e no quadro mais amplo das relações África–UE. Além disso, comparará esta agência com a que se verificou na última década das relações entre África e a China. Com base num quadro analítico de segurança ontológica, o artigo procura compreender as novas dinâmicas e contestações da agência africana nas relações do continente com a UE e a China, que têm sido ignoradas tanto pelas abordagens dominantes como pelas críticas nos estudos de política externa da UE.

Citação

Duggan, N., Haastrup, T., Hogan, J. J., Mah, L., & Bernardo, L. (2025). African agency in geopolitical times: playing with EU and Chinese ontological security. Third World Quarterly, 1–22. https://doi.org/10.1080/01436597.2025.2551134

 

Mundo Crítico n.º 12: Desafios actuais do financiamento


Resumo:

Durante os últimos meses temos vindo a assistir a profundas mudanças na chamada Ajuda ao Desenvolvimento. A redução da APD por parte de vários países, incluindo os EUA e Reino Unido, abre novos cenários num momento em que emerge uma visão do mundo mais multipolar, que privilegia cada vez mais um modelo do “crescimento misto” onde possam encontrar tipos de financiamento e de lógicas que conjugam sector público e sector privado. Outro elemento a considerar é a crescente importância do papel de atores filantrópicos de grande escala na Cooperação para o Desenvolvimento. A Conversa Imperfeita que na abertura desta edição da Mundo Crítico junta Ana Fernandes e Ndongo Samba Sylla, reflecte sobre as tenções que atravessam o novo contexto da APD, reflectindo sobre criticidades que muitas vezes vêm de longe, tentando, ao mesmo tempo, delinear quais são os novos desafios que esse novo presente e o próximo futuro nos colocam.

Na mesma linha, os contributos dessa edição reflectem sobre a chamada crise da APD a partir de vários pontos de vista, acompanhando a evolução deste mecanismo e passando para uma perspectiva capaz de ter em conta a nova ordem mundial que se vem desenhando, tal como as implicações que ela traz a nível mais estritamente financeiro. Ao lado desses textos mais analíticos optamos por publicar a versão portuguesa de textos que apontam para propostas concretas, visando uma reforma mais equitativa da divisão dos recursos e por consequência da distribuição da riqueza. Para ajudar a pensar em caminhos alternativos propomos também uma reflexão sobre o Orçamento Participativo no Uzbequistão, como estudo de caso de um financiamento do desenvolvimento a partir da participação pública.

A editoria Modos de ver apresenta parte de uma reportagem sobre o comércio internacional de lixo electrónico, realizada no Gana pelos jornalistas Paula Borges e Djibril Mandjam, resultado de uma bolsa jornalística da iniciativa da ACEP em colaboração com Eurodad; o mesmo tema está no centro de uma das Narrativas, enquanto outra reflete, a partir de dentro, a redução drástica do financiamento da USAID.

Tema dos Ecos gráficos é a exploração do trabalho criativo. Essa edição acaba com uma recensão ao livro de Carlos Lopes, “A Armadilha do Autoengano”.

Citação:

ACEP & CEsA (2025). “Desafios actuais do financiamento”. ISEG/CEsA – Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento. Revista Mundo Crítico nº 12 (Jul 2025). ISSN 2184-1926

A Opinião Pública e a Cooperação para o Desenvolvimento Portuguesa


Resumo:

Quase 20 anos após a primeira sondagem à opinião pública face ao papel da Cooperação para o Desenvolvimento, em particular da Cooperação Portuguesa, encetámos um novo estudo para conhecer o que pensa a sociedade portuguesa sobre este sector, numa altura em que se desenvolve um novo ciclo estratégico da Cooperação Portuguesa. Nesse sentido, a Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP) propôs ao Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento do Instituto Superior de Economia e Gestão (CEsA/ISEG) e ao Departamento de Ciências Sociais e Políticas do Território da Universidade de Aveiro (DCSPT/UA) um processo de actualização do conhecimento sobre a opinião pública portuguesa, de forma a facultar uma visão mais fidedigna ao nível de opiniões desta área e melhor planificar estratégias para o diálogo e o debate público com diferentes sectores da sociedade, incluindo decisores políticos nacionais e jornalistas.

A Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 destaca, entre outras coisas, a importância da comunicação com a sociedade e da visibilidade do sector para permitir um maior entendimento e reconhecimento do seu papel no cômputo das políticas públicas portuguesas. De facto, em Portugal, a Cooperação para o Desenvolvimento continua a ocupar um espaço residual no debate político, sobretudo ao nível da Assembleia da
República e dos media, persistindo ainda dificuldades em abordar e trabalhar de forma sistemática com os/as deputados/as e os/as jornalistas portugueses/as e em colocar os temas do Desenvolvimento e da Cooperação internacional nos media.

Nos últimos 20 anos, a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento sofreu alterações profundas, a que não ficou alheia a Cooperação Portuguesa. Embora seja uma política sobre a qual existe pouco debate institucional a nível nacional, é um sector crucial na forma de relacionamento de Portugal com o mundo, nomeadamente com alguns dos países com os quais mantém relações bilaterais fortes, como os PALOP e
Timor-Leste. Essa relação não passa unicamente pelo Estado, mas envolve um conjunto alargado de sectores, públicos e privados, com e sem fins lucrativos, abordando a Cooperação para o Desenvolvimento de formas diferenciadas e dando origem a diferentes formas de relacionamento.

Esta sondagem não surge no vazio e não está naturalmente imune ao contexto internacional actual, particularmente adverso, e que coloca desafios acrescidos à Cooperação para o Desenvolvimento. No entanto, esta política pública tem um papel singular na promoção do Desenvolvimento, da paz e dos direitos humanos. Os conflitos actuais, com destaque para as guerras em Gaza e na Ucrânia (que assinalou o regresso da guerra à Europa), o desrespeito e o descrédito pelo Direito Internacional e pelo multilateralismo, bem como o aumento do discurso populista um pouco por todo o mundo e, muito particularmente na Europa, são elementos caracterizadores do ambiente em que a Cooperação para o Desenvolvimento precisa de se continuar a afirmar e reforçar enquanto expressão mais nobre da política externa dos Estados e das instituições internacionais.

Citação:

ACEP & CEsA (2024). “A Opinião Pública e a Cooperação para o Desenvolvimento Portuguesa”. ISBN 978-989-8625-35-9

Mundo Crítico n.º 10: Desenvolvimento e paz em tempos de conflitos


Resumo:

Perante a crescente polarização e proliferação de conflitos à escala mundial, urge pensar no mundo e procurar soluções conjuntas e caminhos para a paz. A Cooperação para o Desenvolvimento pode ser uma via de diálogo e de acção, assumindo um papel na procura de respostas positivas e construtivas para a promoção da paz e do desenvolvimento sustentável à escala global. Porém, como sublinham Sara De Simone e Pedro Rosa Mendes na “conversa imperfeita” de abertura deste número, não há fórmulas one size fits all e é crucial envolver todos os envolvidos, actores formais e informais, no diálogo para a paz e reconciliação e procurar sobretudo soluções a partir de processos endógenos.

Os conflitos actuais, sobretudo os mais mediatizados e com grande impacto global como a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, têm consequências devastadoras para as suas populações e para os equilíbrios entre regiões. Para além destes conflitos, os focos de tensão e conflitos prolongados noutras partes do mundo, nomeadamente em países africanos, têm também um efeito desestabilizador à escala regional e mundial.

Nesta décima edição da Mundo Crítico – Revista de Desenvolvimento e Cooperação, procuramos questionar de que forma os processos de desenvolvimento são afectados pela guerra e pelos conflitos latentes. Questionamos se o “subdesenvolvimento” é, de facto uma ameaça ou se se enraizou uma narrativa de divisão do mundo entre zonas propensas à violência, na periferia do mundo, e zonas de paz, no centro de decisão. E, como tema transversal, surgem as migrações, com a crescente instrumentalização do fenómeno e cedências ao discurso de extrema-direita, sobretudo na União Europeia.

Este número integra ainda uma reflexão sobre o papel das mulheres no diálogo e na acção para a construção de uma paz duradoura, sobre o futuro dos Estados em situação de fragilidade, muitos deles vítimas das alterações climáticas, da pandemia e de “conflitos por procuração” entre diferentes potências, ao estilo da Guerra Fria, e sobre o papel das cidades em zonas de conflito rural, como no caso de Pemba, em Moçambique.

O ensaio fotográfico desta edição percorre os muros (ainda) erguidos em diferentes continentes, do Brasil ao Médio Oriente, e que acentuam a divisão do mundo e de quem tem direito a mover-se. Por fim, num registo mais jornalístico, fala-se dos conflitos relacionados com água e sobre África, negligenciada pelos grandes grupos de notícias.

Citação:

ACEP & CEsA (2024). “Desenvolvimento e paz em tempos de conflitos”. ISEG/CEsA – Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento. Revista Mundo Crítico nº 10 (Jun 2024). ISSN 2184-1926.

Mundo Crítico n.º 9: Representações do mundo no mundo das representações


Resumo:

A nona edição da Mundo Crítico procura analisar criticamente as questões relacionadas com as representações do mundo e as relações que existem entre a produção e construção de narrativas visuais e escritas do(s) outro(s), sobretudo, mas não só, a partir do campo das organizações de “apoio ao desenvolvimento”, como também do jornalismo.

Esta edição inicia, por isso, com uma “conversa imperfeita” entre um jornalista português António Rodrigues e o dirigente associativo e activista guineense Miguel de Barros, sobre a necessidade de trazer para o centro outra ideia de periferias e outras narrativas e sobre a espectacularização da cooperação e do desenvolvimento.

A editoria “saber e circunstâncias” inaugura com uma reflexão do jornalista espanhol Alfonso Armada sobre a nossa sociedade, a partir de Guy Debord, e o alerta deixado pelo autor sobre a conversão da política e da história num espectáculo de consumo. A jornalista moçambicana Zenaida Machado fala-nos da situação em Cabo Delgado, em Moçambique, e de como, mais uma vez, a situação dos moçambicanos continua distante da “lupa da cobertura jornalística internacional”, em detrimento dos investimentos milionários em risco na zona. Da Guiné-Bissau, o investigador Sumaila Jaló analisa a migração irregular do país, através de relatos de vida transformados em músicas, procurando desconstruir a imagem que nos chega sobre essa realidade. A editoria integra ainda uma reflexão sobre o papel da educação para o desenvolvimento e cidadania global, a partir do projecto Sinergias ED, escrito por quatro investigadoras envolvidas no projecto. Por fim, a presidente da ACEP, Fátima Proença, desafia-nos com 10 propostas para a mudança na comunicação das ONG com a sociedade, de forma a criar novas narrativas e novas informações eticamente balizadas.

No “modos de ver”, a fotógrafa moçambicana Yassmin Forte, vencedora em 2023 do Prémio de Fotografia Africana Contemporânea, brinda-nos com um ensaio fotográfico a partir da sua história familiar, iniciada na pista de dança em Quelimane, Moçambique. A investigadora Livia Apa discorre nas narrativas sobre a importância das séries senegalesas para retratar o país, enquanto o dirigente associativo Paulo Mendes nos interpela sobre o papel da diáspora para mudar a narrativa sobre o racismo e a dicotomia colonizador / colonizado.

Nas “inovações”, apresentamos uma iniciativa do Fundo Norueguês de Assistência a Estudantes e Investigadores capaz de desconstruir as campanhas de angariação de fundos das organizações internacionais. Já nos “ecos gráficos”, a ilustradora Amanda Baeza propõe uma “peça em dois actos”, entre o Chile e Portugal.

Por fim, no “escaparate”, desafiámos a produtora de audiovisual santomense Katya Aragão e a especialista em comunicação da Guiné-Bissau Luana Pereira a folhear os livros dedicados à pintura publicitária em cada um dos países, da autoria de uma designer gráfica e de um investigador polacos, e escrever a partir e sobre eles. A edição termina com uma recensão de Leonor Teixeira, de um guia recente da BOND sobre a forma como as imagens das ONG devem ser utilizadas, a pensar sempre nos seus protagonistas.

A capa é da autoria do artista plástico guineense Nú Barreto, que elaborou propositadamente a imagem para esta edição. Boas leituras!

Citação:

ACEP & CEsA (2023). “Representações do mundo no mundo das representações”. ISEG/CEsA – Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento. Revista Mundo Crítico nº 9 (Dez 2023). ISSN 2184-1926.

Mundo Crítico n.º 8: A cultura no sonho de justiça e de liberdade


Resumo:

Num mundo turbulento o recurso à sapiência dos nossos referentes torna-se ainda mais premente. Quando nos lembramos dos ensinamentos de Amílcar Cabral damo-nos conta de como o global é tão local. Ouvimos falar da personalidade em termos de postura, comportamento, liderança, carisma. Tudo isso transparece nos vídeos, nas fotos ou áudios que registaram o homem, nas análises que muitos nos brindaram, ou ainda na marca de um inquérito da BBC, que o reconheceu entre os mais influentes da história contemporânea mundial. Mas é sobretudo através da leitura dos seus escritos que os jovens podem hoje absorver a minúcia do personagem.

Cabral não era só poeta, era sonhador. Não era só chefe guerrilheiro, era articulador. Não era só diplomata, era mobilizador. Não era só líder, era pensador. Não era só professor, era zelador. Parecem muitas qualidades para uma só pessoa?… mas assim são
os seres especiais. Têm defeitos também, são humanos, mas deixam uma marca indelével por serem únicos. E, por nos trazerem esperança.

Em tempos difíceis olhamos para o retrovisor, reacção natural de quem prescruta o futuro sem balizas claras e velocidade controlada. O passado parece-nos mais fácil de interpretar, diferente de ter sido mais fácil de viver ou enfrentar.

Afinal de contas o que pode ser mais difícil de mudar hoje do que o que Cabral viveu na sua juventude?

Organizar do nada um povo colonizado, num território marginal, contra um exército que chegou a ter mais de 20.000 efetivos na frente de guerra, equipado com meios aéreos assinaláveis, logísitica da NATO e apoio diplomático de países poderosos. Conseguir ser vitorioso de forma transcendental: estruturando o caminho para a libertação da Guiné e Cabo Verde, provocando a unificação do movimento de libertação em Angola, despoletando uma revolta que acabou eliminando o fascismo em Portugal, e inspirando uma nova vaga de pensamento panafricanista e revolucionário.

Às facetas de organizador exímio falta acrescentar a contribuição teórica. Com exemplos como a cenceptualização do papel da cultura na libertação, que depois seria ampliada na pedagogia do oprimido de Paulo Freire; a transformação da leitura marxista da luta de classes para a configuração de como um povo subjugado incarna uma classe nacional na sua luta contra o colonialismo, tese mais sofisticada do que a versão simplista de um Kwame Nkrumah; a interpretação metafórica do papel ambíguo da pequena burguesia, hoje diríamos das elites, no período pós-colonial, sujeito de perpetuação de práticas alienadas, que Frantz Fanon desenvolveu em termos psicológicos; ou a elaboração de um novo conceito de unidade, só atingível com a sublimação do que chamou de prática revolucionária, ou seja uma postura para os movimentos do seu tempo, distinta dos populismos baratos em que se baseiam muitos dos contestatários do presente.

Tudo isto falando para camponeses com o mesmo à vontade que falava nas tribunas globais. Para uns usando os exemplos do que viviam no seu quotidiano simples – panela, terra, morança ou floresta – e para outros oferecendo a sabedoria popular dos ditados e das adivinhas africanas, como ponto de conexão com essa mesma realidade.

Cabral detinha uma magia nas palavras, usava comparações, metáforas e sobretudo demonstrava através delas o respeito pelo outrém; não distinguindo em grau, género ou raça, como agora nos habituamos a dizer.

Que o seu exemplo de vida e o seu legado nos ajudem a manter a esperança.

Citação:

ACEP & CEsA (2022). “A cultura no sonho de justiça e de liberdade”. ISEG/CEsA – Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento. Revista Mundo Crítico nº 8 (Dez 2022). ISSN 2184-1926.

Mundo Crítico n.º 7: Ambiente e desenvolvimento: entre a utopia e a urgência


Resumo:

A sobreexploração de recursos do planeta e hábitos de consumo insustentáveis vêm produzindo impactos no ambiente, que configuram já uma verdadeira emergência ambiental. Uma das suas traduções mais visíveis é o aumento sem precedentes da temperatura do planeta, com danos irreversíveis. Em 2021, a comunidade internacional reuniu-se em Glasgow, na COP26, onde se reconheceu a emergência climática e a urgência de abandonar a exploração de recursos fósseis. Mas acordo final ficou aquém da ambição necessária.

Segundo contas feitas por organizações da sociedade civil, as medidas acordadas vão permitir que o aquecimento se mantenha nos 2 graus até ao final do século, ultrapassando as “linhas vermelhas” de segurança. Entre os mais afectados estão os pequenos Estados insulares e muitos países em desenvolvimento, que menos contribuíram para a situação. A realização da próxima COP27 em território africano, no Egipto, é para muitos africanos uma oportunidade a não desperdiçar.

Nesta edição debatemos os desafios e as emergências relacionadas com o desenvolvimento, o ambiente e o clima, e começamos esse debate com a “conversa imperfeita” entre dois especialistas com larga experiência em África e na América Latina.

Já a editoria “saber e circunstâncias” integra uma reflexão de Luís Fazendeiro sobre as desigualdades “Norte”/“Sul global”, a análise de Romy Chevallier e Alex Benkenstein sobre a Cimeira UE-UA e a (in)justiça climática e Patrícia Magalhães Ferreira apresenta a incoerência das políticas nestes domínios. Seguem-se experiências em S. Tomé e Príncipe (Jorge Carvalho), em Moçambique (Mariam Abbas e Natacha Bruna) e na Guiné-Bissau (Aissa Regalla de Barros). A editoria encerra com uma reflexão sobre a natureza e o clima (Flora Pereira da Silva).

No “modos de ver”, o fotógrafo português Mário Cruz revisita o rio Pasig, no coração de Manila, “exemplo do caminho perigoso que a humanidade percorre”, afirma o autor. Uma das fotos é a capa desta edição, bem como o encarte.

As “narrativas” são da jornalista portuguesa Vanessa Rodrigues, sobre a mobilização das mulheres rurais na Guiné-Bissau, do jornalista moçambicano Armando Nhantumbo que conta como os mega-projectos “empurram” a população para a miséria e a ambientalista Sofia Guedes Vaz, numa aventura de bicicleta até à COP26. E nas “inovações”, a Ana Filipa Oliveira traz-nos a Fakebook-ECO, uma iniciativa contra a desinformação ambiental.

A ilustradora ucraniana Viktoriya Kurmayeva desenha um relato da “mãe natureza” e no “escaparate”, sugerimos dois relatórios, sobre o financiamento (apresentado pela Rita Cavaco) e clima (e este pelo Tomás Nogueira). Boas leituras!

Citação:

ACEP & CEsA (2022). “Ambiente e desenvolvimento: entre a utopia e a urgência”. ISEG/CEsA – Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento. Revista Mundo Crítico nº 7 (Jul 2022). ISSN 2184-1926.


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