Assim, se formalmente se diz que Outras fronteiras fragmentos de narrativa, oitavo livro de poemas de Ana Mafalda Leite, está dividido em quatro partes, ouso dizer que não há divisão nem partes. É um conjunto de poemas, é uno. E o é pelo simples e complexo fato de ser livro de vida, repito, onde a narrativa se faz (parafraseando Bachelard[5]) pela narrativa de todas as paisagens com janelas dentro abertas, vividas, sonhadas, buscadas com liberdade, à revelia do mundo. E vida não se desmembra. O presente existe porque existe o passado e o futuro existe porque não é outra coisa senão pequenos presentes.
Há, isso sim, quatro grandes títulos nesta obra que demarcam uma trajetória, mas uma trajetória, como já disse, una. Inicia no despertar que o sujeito lírico propõe ao sujeito empírico – e não o contrário – e, nesse despertar a busca do SER, ser maior com letras maiúsculas.
É quando se inicia a viagem. Na infância, onde a memória rompe com o preto e branco e vai ao encontro do sagrado azul. No despertar de uma consciência de pertença, onde habitam Oriente e Ocidente e uma identidade híbrida. No encontro do amor, onde termina a viagem profética, onde tudo precisou ser como foi para ser o que é. O encontro verdadeiro do ser que não se quer cindido está no amor – sim, o amor é fogo que arde (LEITE, 2017, 18) como cantou Camões -, mas só o grande amor, o único, aquele que recomeça sem cessar. É o que faz de Outras fronteiras fragmentos de narrativa um grande livro. É o que faz de Ana Mafalda Leite uma das melhores expressões da literatura moçambicana contemporânea.