Projeto AFRO-PORT chega ao fim e deixa legado pioneiro na investigação sobre a afrodescendência em Portugal

O AFRO-PORT, projeto de investigação do CEsA com recursos da FCT, investigou a afrodescendência em Portugal, de 2018 a 2022. O ciclo de encerramento teve lugar no mês de setembro e contou com a apresentação dos resultados do estudo sobre o perfil das organizações de afrodescendentes na Área Metropolitana de Lisboa, além do lançamento de uma edição especial da Revista Portuguese Literary and Cultural Studies e do documentário “3×4 Afroportuguês: Retratos de uma identidade plural”

Mesa de abertura da primeira sessão do ciclo de encerramento do Projeto AFRO-PORT: Sónia Frias (em pé), membro da Direção do CEsA, Inocência Mata (à mesa, à esquerda), co-coordenadora do AFRO-PORT, Iolanda Évora (à mesa, centro), coordenadora do AFRO-PORT, e Aurora Almada e Santos (à mesa, à direita), investigadora do Instituto de História Contemporânea (Universidade Nova de Lisboa)

O ciclo de encerramento do Projeto AFRO-PORT – “Afrodescendência em Portugal: sociabilidades, representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais. Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa (CEsA/ISEG/ULisboa, FCT/PTDC/SOC-ANT/30651/2017)” teve lugar nos dias 16 e 21 de setembro de 2022, na Câmara Municipal de Lisboa e no Centro Cultural de Carnide, respetivamente. O AFRO-PORT foi um projeto de investigação do CEsA sob coordenação da professora Iolanda Évora (CEsA/CSG/ISEG/ULisboa) e com a co-coordenação da professora Inocência Mata (LAC/ULisboa e CEComp/FLUL/ULIsboa), com recursos da FCT, que se destacou como pioneiro na investigação da afrodescendência em Portugal, de 2018 a 2022.

O AFRO-PORT centrou-se na investigação da afrodescendência em Portugal com o objetivo principal de identificar os processos de afirmação para a conquista de direitos. Outros objetivos foram: caracterizar os afrodescendentes da Área Metropolitana de Lisboa no cenário social português, interrogar sobre a emergência dos afrodescendentes como um novo coletivo e o seu estatuto e lugar na sociedade, compreender os mecanismos que excluem os afrodescendentes e, em simultâneo, identificar os processos de conquista de direitos.

Sobre a utilização cada vez mais frequente do termo “afrodescendente” e do conceito de “afrodescendência”, a investigadora do Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CEsA/CSG/ISEG/ULisboa) e coordenadora do AFRO-PORT, Iolanda Évora, destacou a relevância de se poder acompanhar processos de ancoragem de um conceito ou categoria num determinado contexto social, “pois nem todas as pessoas e grupos designados identificam-se como tal”. “Estamos diante de um fenómeno fluido em processo de enraizamento, o que significa que as perceções estão a ser constituídas enquanto resultado e expressão da sociedade portuguesa na sua diversidade”, explica Évora.

E foi a investigação de um tema em construção e em transformação social em Portugal que deu ao AFRO-PORT o seu carácter inovador e pioneiro. “Não nos apercebíamos, antes de começar esse projeto, que há jovens que nasceram cá e que não dizem que são afrodescendentes; dizem que são africanos de segunda, terceira, quarta geração. Mas, penso: não nasceram cá?! São essas vozes também que queríamos ouvir”, refere Inocência Mata, investigadora do Centro de Estudos Comparativistas (CEComp/FLUL/ULisboa) e co-coordenadora do AFRO-PORT.

Para as coordenadoras do AFRO-PORT, o uso da expressão “afrodescendente” tem vários significados. A partir da pesquisa, aperceberam-se que várias pessoas interrogam-se se não se trata de uma forma atualizada de continuar a não se aceitar o negro como tal na Europa. “Seria o afrodescendente essa nova designação porque não se admite que o negro como tal possa ser um cidadão de direitos no Velho Continente e continue a ser chamado de africano?”, questiona Évora, com base nos depoimentos recolhidos na pesquisa.

Edição especial da Revista PLCS sobre afrodescendência e racismo

Clique na imagem para aceder à revista

A primeira sessão do ciclo de encerramento do Projeto AFRO-PORT teve lugar no dia 16 de setembro de 2022, na Câmara Municipal de Lisboa. O evento consistiu no lançamento da edição especial sobre afrodescendência e racismo da Revista Portuguese Literary and Cultural Studies: dossier “The Open Veins of the Postcolonial: Afrodescendants and Racisms” (clique aqui para aceder). O número temático abarca 17 artigos sobre assuntos diversos, como a presença africana em Portugal desde o século XVI, a autonomia negra em Portugal, a ideia de raça e significados da branquitude, a reformulação do discurso racista e colonialista, etc.

A investigação conduzida no âmbito da revista foi apresentada por Aurora Almada e Santos (Instituto de História Contemporânea/Universidade Nova de Lisboa) e por Inocência Mata. “Essa é a primeira publicação do projeto AFRO-PORT. Nós estivemos dois anos a trabalhar sobre essa revista porque nós queríamos que essa publicação trouxesse uma reflexão mais profunda e menos imediata sobre as temáticas que estávamos a discutir. Queríamos, principalmente, retirar essa ideia que a questão do racismo se aplica apenas aos imigrantes na sociedade portuguesa”, diz Mata.

O evento contou também com a presença e o apoio dos vereadores Beatriz Gomes Dias e Rui Tavares. “É muito importante que a questão afroportuguesa e afrodescendente tenha chegado nas páginas de uma revista tão importante como essa”, elogiou Rui Tavares. “Traz uma perspetiva que desoculta uma vasta gama de discriminações. É muito importante esse olhar porque rompe com os mitos, as definições, o conjunto de hierarquias e contribui para esse combate ao racismo e à discriminação”, completou Beatriz Gomes.

Estudo sobre as associações afrodescendentes em Lisboa e lançamento de curta-metragem

A segunda sessão do ciclo de encerramento do Projeto AFRO-PORT teve lugar no dia 21 de setembro de 2022, no Centro Cultural de Carnide, em Lisboa, consistiu na apresentação dos resultados principais do estudo “Associações Afrodescendentes na Área Metropolitana de Lisboa: Questões em debate” e no lançamento da curta-metragem “3×4. Afroportuguês: Retratos de uma identidade plural” (Nêga Filmes), um produto audiovisual desenvolvido no âmbito do Projeto do AFRO-PORT.

Milan Dezan, bolseira do Projeto AFRO-PORT, apresenta os resultados do estudo sobre o perfil das organizações de afrodescendentes na Área Metropolitana de Lisboa, na segunda sessão do ciclo de encerramento do AFRO-PORT, no dia 21 de setembro de 2022, no Centro Cultural de Carnide

Nesta sessão, a questão das razões do uso do termo foi novamente trazida. Para a co-coordenadora do AFRO-PORT, Inocência Mata, falar de afrodescendência causa uma mistura de sensações e questionamentos, pois ao mesmo tempo em que remete com orgulho a uma ascendência africana, também é uma forma de se evitar a palavra negro. “Hoje, reivindicar ser português afrodescendente é reivindicar uma pertença e ao mesmo tempo uma ancestralidade. Serve também para que as políticas públicas tenham em conta essa discriminação da diferença, e nós precisamos de números para dizer ao Poder que existe racismo estrutural e institucional em Portugal”, conclui Mata.

Em relação ao estudo sobre o perfil das associações, os resultados foram apresentados pela bolseira Mila Dezan (MDCI/ISEG/ULIsboa). A pesquisa mapeou inicialmente aproximadamente 140 associações a atuar na Área Metropolitana de Lisboa que tratam sobre questões ligadas à afrodescendência, mas apenas 22 delas a identificarem-se propriamente como afrodescendentes.

“Identificamos uma resistência das organizações em se apresentarem como afrodescendentes. Algumas se apresentam como tal, mas são cautelosas na hora de usar o termo de forma oficial”, indicou Dezan. “Isso nos leva a pensar se a denominação tem sido imposta ou se estamos assistindo ao início de uma nova caracterização social que justifica essa resistência. Quais são as vantagens e as desvantagens de se apresentarem como organizações afrodescendentes?”, pontuou.

Nos seus comentários ao estudo, Évora considerou que várias interrogações foram trazidas. “O que essa denominação está a substituir, qual é a conveniência e o benefício que ela traz? Algumas associações usam o termo, por exemplo, quando estão a dialogar com o poder publico. A minha expectativa enquanto cientista social é que essas comunidades apropriem-se e tenham muita clareza sobre o que está sendo dito com esse termo”, destaca Évora.

O encontro foi marcado pelo lançamento da curta-metragem “3×4 Afroportuguês: Retratos de uma identidade plural” (Nêga Filmes), um produto audiovisual desenvolvido no âmbito do Projeto do AFRO-PORT (assista logo abaixo). O filme aborda, ao longo de 11 entrevistas com personagens diversos, entre eles, mulheres, homens, jovens e idosos, um retrato do que se pensa em Portugal a respeito do conceito de afrodescendência.

As atividades, os eventos e notícias sobre o AFRO-PORT seguem disponíveis para consulta no site oficial do projeto (https://cesa.rc.iseg.ulisboa.pt/afroport/).

Para mais informações sobre os projetos do CEsA, aceda ao site oficial https://cesa.rc.iseg.ulisboa.pt/.

Autor: Comunicação CEsA (comunicacao@cesa.iseg.ulisboa.pt)

Imagens: CEsA/Reprodução

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