Ana Mafalda Leite: Rosas da China

Manuel Frias Martins


O amor é um tema intemporal da literatura, mas demasiado sentimento amoroso pode dar origem a má poesia. Rosas da China é um livro de amor e boa poesia.

Ana Mafalda Leite revela neste livro uma sábia gestão dos afectos, colocando-os mais como instrumentos conceptuais para a construção do poema e menos como objecto único da experiência de comunicação poética. A atenção dada ao ritmo em quase todos os poemas prova bem que a ligação à escrita artística está mediatizada sobretudo por uma clara consciência do prazer estético da linguagem. É certo que é por aí que a autora como que erotiza sobremaneira a linguagem, mas não é menos certo que a sobrevivência do poema enquanto poema nunca é deixada à mera intensidade retórica do sentimento.

Rosas da China é um livro de amor e acerca do amor. Contudo, ele evidencia uma estratégia muito própria de presentificação do amor. A «rosa» mostra-se neste livro como metáfora do ser que se sente a si e ao mundo na sua sensualidade calma e misteriosa. A nomeação das flores, de inúmeras flores, que ocorre em vários poemas, constitui-se num original dispositivo poético através do qual é permitido invocar não só estratégias de amor e prazer, mas também de inventariação da experiência subjectiva na relação com o outro, bem como a memória de «ser em demasia» (p. 27) na experiência de dores e alegrias de vidas partilhadas.

 Através de um léxico poético por vezes erotizado por «seios de luz» e «bocas de lume» (p. 34), Ana Mafalda Leite vai construindo uma narrativa do feminino nas suas múltiplas incidências vivenciais e culturais. Florbela Espanca, Soror Saudade, noivas simples da carne e do espírito, atravessam os poemas deste livro inscrevendo discursos do coração, de alegrias e mágoas inscritas em vozes que murmuram mistérios, segredos e encantamentos de um «tempo todo de amar» (p. 77).

Rosas da China são rosas de amor, mas o amor de Rosas da China é sobretudo um espaço vibrante de poesia. Num tempo que expulsou o amor do horizonte da representação verosímil, a diferença de Rosas da China está sem dúvida no modo como o amor é recuperado pela própria razão amatória. Mas a diferença do amor de Rosas da China é que ele serve sobretudo para tornar visível a poesia e o trabalho artístico que lhe dá sentido cultural.

  1. Quetzal, Lisboa, 1999

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